A Shell vai virar duas empresas?

Cada vez menos as marcas querem estar atreladas a atividades poluentes. No caso da Shell, investidores querem esse descolamento por completo, dividindo a companhia em duas, para limpar a parte verde do negócio.
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A necessidade urgente de reverter o aquecimento global e a destruição dos recursos naturais tem endurecido a cobrança dos consumidores, governos e investidores por produtos e serviços que atendam às responsabilidades ambientais e sociais.

As metas do Acordo de Paris, assinado em 2015, buscam frear o aumento da temperatura global em até 1,5ºC. Mas ainda estão capengas, mesmo depois da nova edição da Conferência da Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a COP26, que aconteceu na primeira quinzena de novembro, na Escócia.

Mas alguns avanços ocorreram e fecharam o cerco, por exemplo, aos combustíveis fósseis. Pela primeira vez, eles foram mencionados em um acordo final da COP. O texto desse ano, assinado por 200 países, traz o compromisso de acabar com os subsídios para a indústria de petróleo e gás no curto prazo.

Mas antes mesmo desse marco, a Royal Dutch Shell ($RDSa)- petroleira holandesa que certamente já abasteceu o seu carro, sua moto, ou de algum amigo - enfrenta pressões. Primeiro, elas vieram da justiça da Holanda, exigindo que a empresa pise no acelerador pra reduzir as emissões de gases poluentes. A Shell recorreu da decisão.

Agora, a companhia também precisa apagar incêndio do lado dos investidores.

Navio-plataforma da Shell no Parque das Conchas, no Espírito Santo, de exploração do pré-sal. É uma "unidade flutuante de armazenamento e transferência", também conhecida pela sigla em inglês FPSO. Foto: Roberto Rosa/Shell/Divulgação

O impasse Shell e Third Point

O Third Point é um fundo de investimentos com o selo “ativista”. Administra cerca de US$ 20 bilhões em ativos. E tem como principal posicionamento comprar não somente ações, mas brigas também, por mais sustentabilidade nos negócios em que investe.

E a Shell não passou ilesa. O Third Point comprou boa parte dos ativos da companhia e se tornou um dos seus maiores acionistas. Sendo assim, exerce grande influência nos rumos da empresa.

E agora quer que a Shell se divida em duas empresas, para limpar a área do negócio que se dedica a energias renováveis, desconectando totalmente das atividades com petróleo e gás.

Para o Third Point, operar nas duas frentes - energias limpas e energia a partir de combustíveis fósseis - é incoerente. A postura visa a gerar impactos para além dos limites da Shell. Afinal, quando um fundo dessa envergadura toma atitudes como essa, gera um debate global que mexe com as estruturas de uma forma sistêmica.

A resposta da Shell

Os executivos da companhia não concordam com a divisão. Alegam, segundo a Reuters, que os negócios funcionam melhor juntos. E dizem que o pico da produção que envolve combustíveis fósseis já ficou pra trás, em 2019.

O caminho agora, segundo comunicados oficiais da Shell, prevê a redução de 1% a 2% ao ano na exploração de petróleo. E investimentos em "energias verdes", como solar, eólica e movida a hidrogênio.

Carro a hidrogênio em teste no Centro de Tecnologia da Shell em Amsterdã. A companhia tem reforçado a comunicação de seus investimentos em fontes renováveis, que incluem também energia solar e eólica. Foto: Miquel Gonzalez/Shell/Reprodução No terceiro trimestre de 2021, a Shell registrou lucro de US$ 4,13 bilhões. Uau? Não para o mercado. A cifra ficou abaixo da previsão dos analistas.

Mudanças de nome e endereço

Outra chacoalhada grande na Shell atinge a alocação acionária e até o nome.

A companhia anunciou em novembro que vai sair do mercado de ações do país onde nasceu, em 1907. Está insatisfeita com os impostos da Holanda - o governo come 15% dos dividendos. E também com as exigências judiciais para cumprir metas climáticas, como citamos acima. E decidiu ir embora pra Londres: vai deixar todas as ações listadas somente sob a lei britânica (não entra nessa unificação a listagem na bolsa americana, que continua).

E vai com outro nome. A identidade atual é Royal Dutch Shell. Royal remete à família real holandesa. Dutch significa holandês. Agora, a empresa passa a assinar como Shell Plc. Dutch.

Num primeiro momento, as mudanças agradaram o mercado. E vão na mesma linha de outras gigantes, na busca por estruturas mais enxutas e simples.

Ainda no ano passado, a Unilever, que tinha listagens públicas na Inglaterra e na Holanda, unificou tudo em Londres. A BHP Group, mineradora listada nas bolsas da Austrália e do Reino Unido, também encerrou a estrutura acionária dupla, deixando o índice britânico FTSE100.

Manter listagens duplas em bolsas de valores custa mais caro. E é uma prática que vem sendo abandonada pelas empresas.